Quando terminei o novo livro do diretor Quentin Tarantino, saí extasiado da experiência. São dezenas ou centenas de referências de filmes, atores e histórias do cinema.
Seu primeiro livro, “Era Uma Vez em Hollywood”, contava a história mais completa do seu último filme, de mesmo nome. Dentro do seu contexto, Tarantino já dava muitas referências cinematográficas através da ótica dos personagens. Cliff Booth, por exemplo, faz uma lista dos seus filmes favoritos do Kurosawa.
Em Especulações Cinematográficas, ele avalia diversos filmes e, como o próprio nome já diz, especula sobre situações hipotéticas do cinema, como por exemplo “e se esse ator tivesse aceitado o roteiro do filme X? E se outro diretor tivesse dirigido esse filme?”, o que torna a leitura muito divertida. Os filmes citados por Tarantino são surpreendentes, pelo fato de que, a maioria não está nas rodas de discussões cinéfilas mais populares. Mesmo assim, a leitura é tão boa, que não ligamos por não conhecer muitos daqueles filmes e artistas, embarcamos nas especulações de Quentin.
Ele começa o livro contando um pouco da sua história com o cinema, de sua mãe extremamente liberal, que o levava para ver filmes de adultos (não infantis) quando ele tinha apenas 6 anos. Na maioria dos capítulos, são dedicados a analisar e especular sobre filmes específicos de sua escolha, como Alcatraz (Don Siegel) e Taxi Driver (Martin Scorsese), dois dos meus filmes favoritos.
Quentin não faz a resenha dos filmes, ele conta a história e contexto de como eles surgiram, e coloca algumas hipóteses de “como eu acho que foi feito” ou “como poderia ter sido feito caso isso tivesse acontecido” ou “como eu teria feito”. O rumo da história cinematográfica poderia ser diferente em muitos casos, pois várias das situações, realmente chegaram perto de serem consumadas, como Brian de Palma, que recusou o roteiro de Taxi Driver antes de Martin Scorsese filmá-lo.
Não é um livro sobre os filmes favoritos do Tarantino. Sua escolha é do que melhor contextualiza as épocas e momentos cinematográficos em que viveu e gostou. Com Alcatraz, por exemplo, conhecemos mais sobre o diretor Don Siegel e sua relação com Clint Eastwood. Ele também discorre sobre o filme, mas não se prende somente a isso. Em Taxi Driver, conhecemos mais sobre Martin Scorsese e o roteirista Paul Schrader. Ele especula o porquê do filme ser como é, com as mudanças de roteiro feitas por Scorsese no roteiro original de Schrader.
O gran finale e gran momentum do livro, na minha opinião, é o relato final e emocionante da relação intensa que Quentin teve com o amigo de sua mãe, Floyd. Quase como uma relação paternal estranha de irmão mais velho. Foi a primeira pessoa que Tarantino conseguia conversar de igual para igual sobre arte, seja cinema ou música. Eles tinham gostos parecidos, e de forma direta, Floyd foi uma grande influência para o diretor e roteirista que Tarantino virou.
O livro mostra o quão bom escritor Quentin Tarantino é. A leitura é divertida, e ele consegue passar a vivacidade de suas experiências pessoais com cinema, junto com as mais variadas especulações e hipóteses. Ficamos o livro inteiro nos perguntando “e se?”.
Para quem gosta de cinema, Especulações Cinematográficas é um prato cheio. Quando acabei o livro, só pensei em anotar todas as referências, assisti-las, e futuramente, reler o livro com mais conhecimento de causa.
Melhores Filmes de Quentin Tarantino e os Críticos de Cinema
Me surpreende o fato de que meu filme favorito do Tarantino, tenha sido o mais citado em seu livro, o magnífico Jackie Brown. Inclusive ele faz uma comparação muito engraçada de que, sua mãe, ao colocá-lo com 16 anos sob cuidados de Floyd, era o mesmo que colocá-lo sob cuidados do personagem de Jackie Brown, Ordell Robbie, interpretado magistralmente por Samuel Jackson.
Jackie Brown e À Prova de Morte são seus filmes menos citados, é a minha impressão. Talvez pelo fato de que tenham sido lançados depois de Pulp Fiction e Kill Bill, respectivamente, tenham ficado um pouco ofuscados. A verdade é que todos os diretores possuem seus filmes mais aclamados, o que acaba gerando um quase esquecimento de outras obras tão boas quanto. As pessoas também são preguiçosas, e acabam assistindo só os filmes mais famosos.
Lendo o livro, entendo o motivo dele achar que Era Uma Vez em Hollywood seja o seu melhor filme. O cara é extremamente apaixonado por Hollywood, e escrever e dar vida a esse filme, deve ter sido o ápice para ele.
O último filme que assisti de Quentin Tarantino, foi Jackie Brown. Se Pulp Fiction é cultuado e dito como sua grande obra prima, deveríamos dar mais atenção para Jackie Brown. Acredito que o filme é uma versão aprimorada de Pulp Fiction. Um não existiria sem o outro, e te explico o porquê.
Revendo os dois filmes, as tramas dinâmicas e complexas estão ali, em ambas, mas percebe-se que o jovem Tarantino (31 anos) despeja todas as suas ideias em Pulp Fiction, há diálogos excessivos no filme. Atrapalha a experiência? Revendo o filme, um pouco. Imagino Quentin com a energia à mil para mostrar seu talento e construir seu filme, deve ter sido doloroso para ele pensar em cortar qualquer diálogo e cena. Olhando em retrospecto, há muito diálogo desnecessário, que não leva o filme a lugar nenhum. Pulp Fiction seria ainda mais dinâmico se alguns dos diálogos fossem cortados, mas é só uma especulação minha.
Jackie Brown constrói uma trama de crimes e amor de forma perfeita. Se há uma conversa, ela faz parte da construção do filme, da história ou dos personagens. Ficamos apaixonados por Pam Grier e Robert Forster, que química! E Samuel Jackson, que para mim, está em seu melhor papel em suas diversas aparições em filmes do Tarantino. Descolado, engraçado e perigoso, com um visual bizarro de mestre de Kung-Fu, com longos cabelos alisados e barba fininha.
Quando terminei Jackie Brown a primeira vez, fiquei indignado. Por que as pessoas não falam mais desse filme? Porra, é o melhor filme do Tarantino!
Acredito que em seu livro, mesmo que inconscientemente, ele deixa no ar que Jackie Brown é o seu melhor filme. Não só pela quantidade de citações feitas, mas por suas referências descritas no livro. Em Jackie Brown, é onde Tarantino chega a sua máxima potência, usando suas paixões cinematográficas e referências da melhor forma possível, criando, para mim, a sua grande obra-prima.
Minha lista de melhores filmes de Quentin Tarantino:
1. Jackie Brown.
2. Bastardos Inglórios.
3. Kill Bill.
4. Django.
5. Pulp Fiction.
6. Cães de Aluguel.
7. Os 8 Odiados.
8. Era Uma Vez em Hollywood.
9. À Prova de Morte.
10. Kill Bill 2.
Gosto de separar listas em “filmes do coração” e “filmes da razão”. Meu filme favorito é Os Bons Companheiros de Martin Scorsese, mas sei que, na minha razão, é difícil colocá-lo acima de Taxi Driver e Touro Indomável, por suas importâncias históricas para o cinema. Com Pulp Fiction, acontece o mesmo, racionalmente, ele teria que estar mais acima, mas na boa, analisar cinema somente pela parte técnica é um saco também, pois se não envolve coração na análise, coloquemos então um robô para analisar. Há que se ter um mínimo de sobriedade para analisar um filme de forma sensata, mas eu prefiro acrescentar o coração e os sentimentos que aquela obra me trouxe. Imparcialidade? Não acredito muito.
Eu vejo muitos filmes da década de 80, considerados clássicos da cultura pop, e acho um verdadeiro lixo, como Rambo por exemplo. Nem mesmo Rock I é uma coisa que me encha os olhos, e nem acho tão ruim. Não posso menosprezar o fato de que as pessoas assistiram aquilo quando eram jovens ou crianças, e fez parte das suas gerações. Eu nunca vou ter a mesma percepção que eles sobre esses filmes, há muito mais coração da parte deles do que da minha. Assim como eu também não posso pedir para que eles gostem de Piratas do Caribe, pois minha análise parte de toda uma nostalgia e memória de uma criança de 10 anos, e não de um adulto. Dito isso, me incomoda bastante algumas análises sérias de adultos sobre filmes de super-herói. Que porra de análise séria você vai fazer de um filme infantil? Quando eu era criança, gostava de qualquer porcaria que tivesse alguém fantasiado com super poderes, nunca fiz a mínima análise da trama.
Pouca coisa consegue agradar, juntos, adultos e crianças. Quando acontece é um feito e tanto. Diria que Senhor dos Anéis conseguiu isso, mas meu pai, por exemplo, odeia os filmes. Ele nunca entendeu bem que merda eram os Hobbits. Em compensação, ele adora Harry Potter e a Pedra Filosofal, que muitos acham infantil. Repare que eu especifiquei o primeiro filme da saga, pois é o único que ele gosta. A partir de Harry Potter e a Câmara Secreta, ele desenvolveu uma teoria própria de que todas as continuações, de qualquer filme, são horríveis.
Manter um equilíbrio dentro do senso crítico, sem parecer um mesquinho que não gosta de nada, ou um bobo alegre que engole qualquer porcaria que assiste, é muito difícil. Me estranha que numa época em que falamos tanto de crise cinematográfica, a crítica tenha adotado uma linha mais “bobo alegre” em suas análises, se dobrando para o gosto da audiência. Tudo é bom, tudo é maneiro.
A resenha crítica é um processo de ruminação eterna. Há aquelas obras unanimemente indefensáveis ou outras que são verdadeiras obras primas. E há também, aquelas obras que te deixarão com a pulga atrás da orelha, nos deixando pensar “será que é isso mesmo?”.
Não existem filmes perfeitos, seria um conceito abstrato da arte. Mas a onda de análises “bobo alegre” me incomoda. É engolir qualquer coisa para corroborar com sua audiência. Nem parece que há uma crise criativa cinematográfica. Os “bobos alegre” são os tipos de críticos que virariam piada no livro do Quentin. Imagina fazer uma análise de filmes da segunda metade do século XXI sem conseguir tecer uma linha crítica.
A crítica brasileira virou um uníssono constante de análises. Percebo que se analisa muito mais o contexto, a temática, a produção, os atores, mas pouco se analisa o FILME. Se as pessoas são diferentes, e a crítica é igual, qual é o verdadeiro problema? Medo de ser criticado? Medo de ir contra a maré? Ir junto com a manada é fácil. Sinceramente, escutar qualquer análise de um “crítico profissional”, ou de um perfil com cara de anime na internet, dá na mesma hoje em dia.
Quentin Tarantino, seus filmes e livros, nos mostra sempre que há muitas coisas a serem conquistadas quando traçamos um caminho de independência, verdade e coragem para tudo que fazemos na vida, e é assim que eu pretendo seguir.