Assisti Três Homens em Conflito quando era moleque, e foi a primeira vez que tive a sensação de estar vendo o melhor filme do mundo. Alguns grandes filmes necessitam um pouco mais de amadurecimento para serem apreciados, é como nosso paladar. Mas outros grandes filmes podem ser vistos a qualquer momento que o prazer e emoção serão os mesmos, que é o caso de Três Homens em Conflito. Me recordo de achar chatíssimo dois dos meus filmes favoritos quando assisti mais jovem, Taxi Driver e Birdman. Nem todo filme tem o poder de agradar todos os públicos e resistir ao tempo, mesmo sem o “fator nostalgia” dentro dessa equação.
Entrei numa empreitada para rever e ver alguns filmes que me faltam do Sergio Leone. Minhas impressões rápidas sobre a trilogia são as seguintes: Por um Punhado de Dólares, 1964 (ótimo!); Por uns Dólares a Mais, 1965 (mediano); Três Homens em Conflito, 1966 (clássico! excelente!).
A primeira coisa a se dizer, é da nossa obrigação moral de fazer com que as pessoas vejam primeiro Três Homens em Conflito, nada de seguir a ordem da trilogia (o próprio Sergio Leone enxergava como obras separadas). Há elementos chave do impacto visual do filme clássico, que são muito utilizados nos dois primeiros. Em Por uns Dólares a Mais então, é usado à exaustão, chegando a ficar chato. Acredito que não estraga, mas atrapalha a experiência, além do mais, não há um cordão umbilical que conecta todos os filmes, eles funcionam por si só.
Por um Punhado de Dólares conta a história de Clint Eastwood (vou chamá-lo por seu nome), como um pistoleiro que chega a uma cidade que é comandada por duas famílias vivendo em pé de guerra. Clint vê uma oportunidade de lucrar com aquilo, e se oferece para trabalhar para as duas famílias, causando situações para se beneficiar financeiramente.
Fiquei pensando em quanto esse filme é parecido com Yojimbo (1961) de Akira Kurosawa, e dando uma leve pesquisada, me parece que Por um Punhado de Dólares foi considerado o seu remake não oficial. Kurosawa chegou a ganhar uma ação contra o estúdio do filme, abocanhando 15% dos seus royalties. O famoso faroeste Sete Homens e Um Destino (1960), também foi um remake de outro clássico de Kurosawa, Os Sete Samurais (1954).
Por um Punhado de Dólares é melhor do que Yojimbo. A forma como os confrontos são construídos são mais elaborados, assim como a tensão do filme. É bem verdade também que todo aspecto visual de Yojimbo foi copiado por Por um Punhado de Dólares. Saem os samurais, e entram os pistoleiros. É muito mais fácil quando você parte de uma ideia pronta, pega as melhores coisas, e melhora o que não acha tão bom. Diferente dos outros dois filmes da trilogia, o personagem de Clint aqui, possui muito mais coração (como o personagem de Yojimbo). Ele cria afeições por pessoas desconhecidas e até desenvolve algumas amizades. Gostamos mais de Clint, mesmo quando ele é o causador de situações perigosas e catastróficas para todos que o rodeiam.
Por uns Dólares a Mais possui os piores elementos dos três filmes e se constroi com um fiapo de história. Dois caçadores de recompensa perseguindo um perigoso bandido. Essa premissa é o suficiente para os personagens principais saírem matando qualquer pessoa sem nenhuma hesitação. Esse filme sim, poderia estragar a experiência em Três Homens em Conflito. O uso dos close-ups nos confrontos é usado à exaustão, e logo percebemos que os adversários de Clint e seu companheiro, não têm chance alguma de sobreviver. Me senti vendo um filme do Rambo ou qualquer besteira do Stallone. Me dê uma arma que vou matar todos e conquistar o meu objetivo. Comparando com os outros dois filmes, acho que fui até generoso em chamá-lo de mediano. Mesmo quando eles estão matando “pessoas más”, a carnificina é tão latente, que a gente começa a achá-los dois assassinos piores do que quem eles estão perseguindo. Neste filme, matar alguém é como respirar.
Em Três Homens em Conflito, Sergio Leone amplifica o que há de melhor na trilogia. As atuações, a história, o enredo e as cenas, são todas incríveis.
Os personagens passam por várias mudanças. Seja de rota, de personalidade, ou objetivo. A história é flexível e não lhes permite uma linearidade em suas trajetórias. Suas vontades são importantes, mas há sempre obstáculos e obstáculos a serem superados. Tudo é construído para o ápice final. A aleatoriedade dos fatos nos faz chegar ao final do filme sem ter a certeza de nada. Em Por uns Dólares a Mais, a matança desenfreada nos tira o interesse. Em Por um Punhado de Dólares, mesmo diante das dificuldades, há uma sensação de que “esse cara sempre consegue”. Em Três Homens em Conflito, não sabemos o que vai acontecer, seja na cena final ou no decorrer do filme. A imprevisibilidade da história, o trio de personagens principais, e a beleza visual, são o que fazem esse filme ser tão especial.
A cena final de Três Homens em Conflito, com os personagens Bom, Feio e Mal juntos, é uma das grandes cenas e mais comentadas da história do cinema. Junto com ela, destaco mais duas outras cenas e situações que me marcaram no clássico: a tomada aérea do Feio correndo desesperadamente para o cemitério em busca do tesouro, e o personagem secundário de Aldo Giuffrè, como capitão alcoólatra do exército da União na Guerra Civil americana. Apesar de ser uma pequena participação, aquele homem alcoólatra e melancólico, que vive uma situação péssima de comandar e ver os seus homens morrendo dia após dia, demonstra mais humanidade do que os três personagens principais juntos, parecendo ser a única pessoa boa do filme. Aliás, um dos poucos momentos que vemos um pouco de sinceridade e humanidade no Bom e no Feio, é quando se encontram com o capitão.
A trilogia de Sergio Leone deve ser vista e revista por todos. É impressionante como o faroeste virou algo de segundo escalão, e como há poucos filmes novos de um gênero tão consolidado ao longo da história. O faroeste continua ao meu ver, como um grande cenário para grandes histórias, o que nos falta são novas ideias, que estão cada vez mais escassas no século XXI.