Quando terminei de assistir A Substância, tive a sensação, e a mantenho, que tinha assistido a um bom filme. Vendo agora a repercussão positiva do público, o que mais me chama a atenção, são os pontos levantados como as melhores coisas do filme. Na minha análise, tive uma visão contrária, considerando na verdade, esses pontos como a parte negativa do filme.
Demi Moore interpreta uma famosa apresentadora e dançarina, que se vê em decadência e ultrapassada; não se sente mais bonita o suficiente, o que a faz buscar a famigerada “Substância”, um produto rejuvenescedor estranho e misterioso. Até aí, senti que era uma ótima sacada da diretora Coralie Fargeat, de abordar um tema tão atual, sobre a busca incansável da juventude, usando métodos antinaturais, e apelando para mudanças drásticas na aparência física.
Acontece que, a tal Substância, não rejuvenesce realmente, mas o que ela faz, é criar uma nova versão mais jovem e bonita da apresentadora. O desenvolvimento do filme acompanha as versões da personagem, tentando conciliar seus dois “eus”. Algumas reflexões e dúvidas que o filme nos traz, e que são bem interessantes: Uma pessoa que muda seu corpo, muda de personalidade também? As duas são iguais ou são pessoas diferentes? O que alguém é capaz de fazer para controlar o tempo e se sentir mais jovem?
A percepção pessoal de uma pessoa que muda seu corpo e rosto, pode ser muito diferente da visão das pessoas que a cercam. Após realizar procedimentos estéticos, ela pode estar se sentindo linda e jovem, mesmo que não esteja, como uma patologia de não enxergar a realidade e querer mudar o impossível, o tempo. Por que não explorar essa visão dúbia de como a pessoa se vê, e como as outras pessoas a veem? Haviam tantas possibilidades a serem exploradas pelo filme em sua primeira metade, que a resolução acaba nos frustrando um pouco. O próprio caminho óbvio de abordar os padrões estéticos da indústria midiática de entretenimento, não é bem explorado. Não estou tentando ensinar a diretora a fazer o seu próprio filme, mas parto de ideias que ela mesmo nos apresenta, e que no fim das contas, não as desenvolve. Prefere ir para o caminho mais fácil, apelando para o choque visual.
Não acho que a diretora desenvolva bem o tema do rejuvenescimento. O que parecia ter “substância” no filme, vira o grotesco e a tentativa de chocar o público. Palmas para a produção do filme que criou ótimas versões monstruosas da Demi Moore. Não há roteiro do meio para o final. A ideia é deixar a personagem se deteriorar, ficando cada vez mais horrível, como um efeito colateral da substância que ela tomou. Qualquer conteúdo do filme, já não existe mais.
Essa pirotecnia bizarra foi o que mais agradou o público, pois é claro, não há muito o que pensar. O filme é literal, não tem camadas, não tem profundidade e nem substância. Ele parece mais rebuscado do que é, pois a ideia inicial parecia ser interessante e perspicaz da parte de Coralie, mas a verdade é que é um filme fácil de consumir. Como eu já disse, há tantas coisas a serem ditas sobre o assunto, que é decepcionante quando o foco se transforma na deterioração física da personagem. É um bom filme, mas poderia ser muito mais, e uma grande oportunidade foi perdida.
Pensando cá com os meus botões, o fraquíssimo ano de 2024 quanto aos filmes, abriu espaço para a exaltação de “A Substância”, e sim, foi muito melhor que a média. O triste é que todas as divulgações e propagandas sobre o filme, são focadas nas grotescas fotos da Demi Moore usando diferentes fantasias, que parecem uma mistura do sloth, com orcs e corcunda de notre dame. Uma pena, mas diz muito sobre o filme.