O Chile possui 2 prêmios Nobel de Literatura: Gabriela Mistral e Pablo Neruda.
Talvez por ser contemporâneo e amigo de escritores brasileiros de renome, como Jorge Amado, Neruda ficou conhecido no Brasil como sinônimo de Chile, é a figura mais conhecida por nós, junto com sua vencedora geração de jogadores de futebol.
Ele é uma figura controversa por aqui, algumas pessoas não gostam do fato dele ter sido um comunista ferrenho, e outros por sua vida extra arte, que envolve crime contra mulheres e abandono parental.
Fato é, sua arte fica muitas vezes em segundo plano. O escritor José Luís Borges provocava, perguntando quantos versos de Neruda as pessoas lembravam, e perguntava qual era a profundidade de uma pessoa que escrevia poesias para o Alface (você não leu errado, Neruda escreveu poesias para algumas verduras).
Eu ainda não tenho a capacidade de opinar sobre sua obra, comprei 2 livros em castelhano de Pablo, o clássico “Confesso que Vivi” e “Versos do Capitão”. Li apenas o segundo e não me impressionou, mas o título remete muito ao tema deste texto, que é a casa de Pablo Neruda em Santiago, no bairro Bellavista, onde eu estava hospedado, que tem a alcunha de La Chascona.

A Casa La Chascona

La Chascona é uma das 3 casas de Pablo Neruda espalhadas pelo Chile, e que hoje são museus em homenagem a sua memória. Era um dos lugares que queria visitar, e por coincidência, me hospedei a 800 metros da casa.
Fui caminhando pelas ruas de Bellavista, entendendo e compreendendo o porquê de Neruda gostar tanto daquele lugar. A casa ficava na subida de um morro, e foi construida com cômodos em vários andares, com escadas para subir e descer.
Infelizmente são proibidas fotos internas da casa, o que é uma pena. Os registros ficaram apenas na minha memória.
Na entrada de La Chascona, você paga uma entrada de 10 mil pesos chilenos, e recebe um aparelho de áudio e um mapa. O mapa mostra a ordem de visitação com os números de cada cômodo, e no aparelho, você seleciona a numeração e seleciona play para ouvir um áudio explicativo sobre cada lugar.

Antes de começar a visita, há uma sala logo na entrada que fica transmitindo um mini documentário sobre Neruda e la Chascona, que foi destruída durante o golpe militar de Pinochet. Neruda faleceu logo depois (1973), cabendo a Matilde, sua 3ª e última esposa, a restaurá-la.
Memórias
A partir daí, é uma experiência incrível e interessante. Como não há um guia humano, as pessoas ficam muito concentradas no seu próprio aparelho de áudio, tentando prestar atenção na história de cada cômodo daquela enorme casa, e quase não há conversa, como se estivéssemos nos transportando para o passado, é muito imersivo.
Por ser mundialmente conhecido, Pablo viajou pelo mundo, fazendo amigos e ganhando presentes de todas as partes, e isso é um reflexo da sua casa. Ele era um colecionador inveterado de objetos de diferentes culturas e países, e em uma mesma sala você poderia encontrar coisas do Marrocos, Japão, China, Rússia…
Tudo parecia antigo, mais antigo do que o próprio Pablo. Quando eu tinha passado dos primeiros cômodos, já pensava: “essa é uma casa que um poeta viveria”.
No começo do texto, havia dito que seu livro Versos do Capitão se refletia nesta casa específica, e por quê?
A casa é desenhada como um grande navio, as portas são pequenas como escotilhas, os cômodos são menores que o normal, tudo é de madeira, os bares possuem muita bebida, e em um deles, havia um leme de capitão. A casa remete a um navio que viajou pelo mundo e juntou lembranças por onde passou.
Lembranças
Pensando sobre a casa hoje, parecia que eu estava dentro de um desenho animado, nada parecia real. Você só volta para realidade quando está saindo dela, onde chegamos a um cômodo, esse mais sem graça e moderno, construído para vender lembranças de Neruda, dos mais variados, desde seus livros, até baralhos de tarot e seu tradicional chapéu.
Comprei 3 livros, 2 de Neruda e 1 de Matilde Urrutia, chamado “Minha Vida com Pablo”. Matilde é uma figura muito interessante, e depois do passeio, você fica mais intrigado sobre ela.
Em uma de suas salas de visita, onde seus amigos jantavam e bebiam com Pablo, ele tinha dois saleiros muito peculiares, com os escritos “marijuana” e “morphine”, como uma piadinha que fazia quando recebia desconhecidos. Havia algumas réplicas que poderíamos comprar, claro que eu o fiz.

Um amigo visitou recentemente sua outra casa, em Isla Negra, e teve uma reflexão muito semelhante a minha, foi do tipo “olha o que esse cara fez e viveu, olha essa casa incrível”, como um alerta para nós, de criar experiências em nossas vidas, que sejam excêntricas ou não, mas que sejam únicas.