A visão do turista sobre uma cidade e país, é a mesma daquela blogueira de viagens que mora ou visita as melhores áreas de um país, e analisa todo o resto através desse recorte.
Esses dias vi uma menina falando que conseguia comer barato em Buenos Aires. Eu estive por mais de 20 dias por lá, num ótimo bairro, Recoleta, e me senti roubado toda vez que saía para comer, as coisas aumentaram até 10x em 1 ano, desde que Milei assumiu. Tudo bem que o barato dela era um prato de R$90,00 e R$120,00, num país que atingiu 57% da população vivendo em estado de pobreza.
Antes de Recoleta, morei em Santiago del Estero, e pude ter uma percepção melhor do que é a Argentina real, fora da capital, na 2ª província mais pobre do país.
Uma das formas de conhecer melhor um país, é estar fora dos grandes centros. As capitais costumam esconder problemas, ainda mais quando estamos como turista, pois sempre buscamos lugares mais bem avaliados quando estamos viajando.
Muitas pessoas se isolam em sua realidade, e pensam que aquilo é real, que não existem outras pessoas e lugares em péssimas condições.
Trabalho Voluntário
Fui ao Chile, Argentina, e agora, El Salvador; todos para trabalho voluntário.
No Chile, fui como turista para San Pedro de Atacama, onde a cidade vive basicamente do turismo; depois fui a Santiago por um fim de semana, conhecendo somente o bairro Bellavista e a parte central; por último, cheguei a Cauquenes, uma cidade de 50,60 mil habitantes, ao sul do Chile, região com forte produção de vinhos.
Na Argentina, fui direto para o norte, em Santiago del Estero, e depois cheguei para ficar alguns dias em Buenos Aires.
Agora, estou hospedado na capital de El Salvador, San Salvador.
Trabalho voluntário é interessante porque já chegamos ao país com um objetivo e com pessoas para te receber, além da estadia ser maior.
Tive a oportunidade de conviver muito tempo trabalhando e na rotina de pessoas diferentes, uma experiência rica e única. É legal entendermos a cultura de cada lugar e se envolver com ela, sem comparações com o Brasil, de que isso ou aquilo é melhor, pois é óbvio que há diferenças gritantes, assim como semelhanças.
Eu recomendo muito as pessoas irem para outros países trabalhar voluntariamente! Muitas vão trabalhar como ajudante, no serviço que estiver disponível, no meu caso, ofereci serviços da minha formação, marketing, e trabalhei somente com isso. Há diversas plataformas onde você pode, por exemplo, se cadastrar na mesma vinícola onde eu estava hospedado, e trabalhar na produção de vinhos.
Países (pessoas, clima, economia)
Não há nada como o Brasil, e não me refiro a coisas boas ou ruins, é simplesmente porque nenhum lugar é igual.
Tenho a sensação em El Salvador, convivendo com pessoas de outros países e locais da América Central, que eles são bem semelhantes a nós. Risadas altas, diversão, brincadeiras, calor humano, etc.
Chilenos do interior são mais caseiros, pois o frio é severo, é de se compreender. No hostel e na vinícola onde fiquei hospedado, conheci pessoas divertidas também, mas acredito que o frio mude um pouco as rotinas. Cada saída de casa é como se você entrasse em um frigorífico a céu aberto.
O Argentino não é tanto de brincadeiras, mas também não diria que eles são sérios e carrancudos, é apenas um jeito de ser. Fui muito bem recebido pelos pais da minha amiga Ana; Rene e Ale. Eram muito atenciosos.
Apesar de todos falarem de como os argentinos podem tratar mal os brasileiros, nunca tive problemas. Não acho também que os brasileiros são esse poço de simpatia que nós achamos que somos, temos lugares com péssimos atendimentos e pessoas mal educadas no Brasil também, e acredito que há uma falsa simpatia de querer parecer “o brasileiro” do samba e da festa, o que sabemos não ser bem assim.
O que eu acho bonito da Argentina, é a preservação e valorização da cultura local. O mate, as músicas folclóricas, a parrilha, o teatro, o tango, o cinema, a literatura, há uma cultura enraizada e um orgulho grande de ser argentino.
Visão sobre os brasileiros
Há muita curiosidade sobre o Brasil e os brasileiros, e as pessoas costumam ser atenciosas, o que é uma vantagem. Como eu conheço um pouco de história e arte brasileira, gosto de contar fatos curiosos e saber a visão das pessoas de outras nacionalidades.
O brasileiro é, na verdade, muito bem visto. Como somos um país grande e a potência econômica da américa latina, nossa cultura acaba chegando para todos, e eles gostam. Se você quer conquistar um amigo latino, basta colocar uma música do João Gilberto. Me lembro que Rene da Argentina curtiu Novos Baianos, enquanto Luiz do Chile, curtiu Ivete Sangalo.
Não há muita cultura latina no Brasil, então tudo que conheci, em sua maioria, foi novidade. Não consigo entender porque consumimos pouca coisa latina. Não acredito que seja a língua, pois consumimos muita coisa em inglês. Acredito que por termos uma cultura interna forte, e por nosso tamanho, é como se o Brasil se tornasse para eles, o que os EUA é para nós, uma referência, é como um domínio não intencional em nosso caso.
Como se adaptar melhor a cultura de um país?
Comida e música são coisas que dizem muito sobre o país onde você está. Busque consumir tudo, experimentar. O ideal é se jogar, agarrar as oportunidades de ir a lugares, muitas vezes comuns, mas que te mostraram muito da cultura local, de como as pessoas se comportam.
No Chile, fui a um bingo da neta da dona do hostel onde estava, e na saída, fui comer um espetinho de porco chileno, com cada pedaço do tamanho de meio paralelepipedo.
Se te convidarem para um lugar, vá. Se te oferecerem algo, coma, mesmo que não goste.
Um dos meus cortes favoritos de carne na Argentina, era a glândula da garganta da vaca, que nunca conheceria se ficasse com frescura de comer, experimentei e curti. Achou estranho? O coração de galinha para eles causa a mesma sensação, é uma questão de costume.
As pessoas locais não vão conhecer os pontos turísticos todo fim de semana, elas seguem uma rotina de trabalho e pessoal, e é aí que você vai capturando a cultura. Eu mesmo, não vou ao Convento da Penha há anos, mesmo não me orgulhando disso, mas é tão próximo e acessível para nós, que deixamos para ir depois e nunca vamos.
Como não se sentir sozinho?
Frio, comida, choque cultural, nada disso é pior do que se sentir sozinho.
E quem está falando é um cara que adora ficar só. Acontece que quando você não tem a opção de não estar sozinho, sua cabeça muda. Não conhecemos ninguém da cidade, não temos um amigo para chamar para sair, para conversar pessoalmente, não é opcional, a solidão é parte da experiência.
Às vezes, você só quer sentar duas horas com um amigo, comer alguma coisa e ir embora, mas não há essa possibilidade.
Quem está te recebendo, tem suas próprias rotinas, e não vão mudar por causa de você, por mais suporte e atenção que eles te dêem, e é totalmente compreensível, ainda mais como eu, que fiquei por meses nos lugares.
O ideal é manter-se sempre ocupado, lendo, vendo filmes, tocando um projeto pessoal, e aproveitando os momentos de companhia. Muitas vezes, quando me sentia sozinho no hostel, eu descia só para ficar na presença de outras pessoas, e só isso faz a diferença.
Ficar sozinho é diferente da solidão, talvez seja isso. Sozinho é opcional, solidão não, é algo triste e melancólico. Diria que é o calcanhar de aquiles de todo viajante solo.
Choque Cultural
Eu gosto de pesquisar bem antes de viajar, para não ter surpresas desagradáveis.
O Brasil é um país muito distinto para acharmos que vamos nos adaptar bem a qualquer lugar, não é tão fácil assim.
Não há como não estranhar tudo, as pessoas, os lugares, as rotinas, as comidas. Algumas coisas você vai achar melhor, outras nem tanto.
Como eu consegui desenvolver meu espanhol rapidamente, minha adaptação creio que foi mais fácil. Não conseguir se comunicar é horrível.
O fator primordial para viver bem e se adaptar ao país sem sentir um choque cultural forte, é a língua, a comunicação; pois com isso, perdemos o medo de estar ali, sabendo que podemos nos comunicar, seja pelo motivo que for, para pedir ajudar, para resolver problemas, ficamos mais tranquilos. Não consigo me imaginar vivendo num lugar onde não consiga entender nada que as pessoas falam, todo os problemas são aumentados com isso, a adaptação se torna mais difícil e a solidão fica mais severa.
Com inglês e espanhol afiados, você resolve 90% dos seus problemas.
O choque cultural é um problema e uma solução, depende do ponto de vista. É dessa fricção, que construímos nossa casca cultural e desenvolvemos nosso poder de adaptação. Se não há choque cultural, para que sair do Brasil? Ir de encontro a novas experiências, enfrentando o medo e a dúvida, deveria ser parte da nossa rotina diária, porque depois que passamos por essas etapas, nunca mais voltamos a ser os mesmos, e o resultado é sempre positivo.